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terça-feira, 13 de dezembro de 2022

VENCENDO O SALALÉ

Condomínio Lamberghini, Pólo Industrial de Viana, 13.12.2022 - Levamos à terra uma anonácea, uma romanzeira e uma nespereira. 

O cafeeiro já tem café. A pitangueira também mostrou duas pitangas e outras flores. A "Teresa Paciência", laranjeira saída do Lugango e ofertada pela prima Teresa, cresce a caminho do sol. Sementes de girassol foram também lançadas ao solo. 

Sendo período de chuva, espero que as paltas se adaptem ao solo e as sementes germinem.  


sexta-feira, 11 de novembro de 2022

PHISÁLIS


Physalis é silvestre. Aparece no meio da lavra e, sobretudo, nas hortas de forma espontânea, sendo a semente largada nos dejectos de passarinhos ou por reprodução sucessiva.
A fruta amarelada, quando madura, é doce e saborosa. Os europeus descobriram o gosto e os benefícios à saúde. Têm importado a physalis da Ásia.
Penso que dentro de algum tempo, ela deixe de ser considerada fruta silvestre, tendo em conta o plantio massivo da mesma.
Trouxe sementes de Lisboa e já germinam em um vaso. Trouxe também sementes secas de cereja ...

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

A "CABINDENSE" E A "BENGUELENSE"

"A cabindense". Assim tenho tratado a borracheira colhida e levada a Luanda,  acidentalmente, quando se pensava ser uma artocarpus altilis. Era uma hóspede intrincada entre ramos da "fruta-pão.

Em Cabinda, 2021, o meu irmão Henrique Bitebe, comovido com a minha aflição e causa em obter,  de forma afoita, uma artocarpus altilis, levou-me ao internato/escola de madres, onde se acham exemplares da planta que procuro ter há já 24 anos.
Acontece que, enquanto pequenas, borracheira e artocarpus altilis se confundem. Entretanto, uma era hospedeira e outra o hóspede. Também trouxemos raízes da hospedeira que não redundaram em nova planta. A hóspede está aí, crescendo que nem loucura. Sempre que a vejo, penso no mano Henrique Bitebe.
Aliás,  no meu Libolo é assim: quando dois homens adultos firmam uma amizade indestrutível e desapaixanada (kisoko), um deles dá uma sobrinha em casamento, para que deste saiam parentes de sangue comum. É a transformação da amizade em parentesco de sangue.
Nos dias modernos, a alternativa tem sido a oferta de um animal fêmea reprodutora ou uma planta de vida perene.
Assim, a minha "mulembeira" é Henrique Bitebe, tal como a palmeira é Tino Cardona!
O Tino, jovem simpático benguelense, cuja irmandade foi selada numa formação na ENAPP, chamou-me à sua casa para me oferecer 4 bananeiras, entre de mesa e banana-pão. Uma bananeira sobreviveu ao solo poroso, desnutrido e quente do Zango, tendo me dado, já, um belo e bem-criado cacho.
Acto contínuo, capturei um rebento de dendêm da palmeira que e se acha no seu quintal. No dia da visita, levei para ele, em retribuição, uma cajá-mangueira que ele tem tratado com esmero. É pena que leva 3 a 4 anos para frutificar.
O Tino é outro que merecia, na minha tradição ancestral, dar ou receber uma sobrinha em casamento. Ainda bem que trocámos árvores frutícolas perenes!

sábado, 1 de outubro de 2022

UM SAFUZEIRO EM LUANDA

O clima semi-arenoso e quente de Luanda é tido como inadequado ao cultivo de determinadas culturas, sobretudo aquelas que demandam solo húmido e humificado.

O abacateiro, os citrinos e o safuzeiro são das plantas (anteriormente) proibidas em Luanda mas que a resiliência e inovação do amante da "agro-house" têm dito sim.

Na imagem um safuzeiro, em, Viana, Luanda, florindo. Ao lado do safuzeiro, uma romanzeira e um abacateiro desmentem velhas falácias sobre indaptação destas árvores do interior em terreno poroso e quente.


quinta-feira, 15 de setembro de 2022

ANGOLA, A DESIDADE POPULACIONAL E O MILHO

As primeiras teorias económico-demográficas com que me familiarizei, ainda como estudante no IMEL (Curso Médio de Jornalismo, 1993-96) foram de Thomas Malthus, economista britânico de defendia a “punção demográfica”, considerando importante o  controle do aumento populacional (teoria conhecida como malthusianismo), visto que, enquanto os meios de subsistências crescem em progressão aritmética, a população cresce em progressão geométrica, sendo que “a melhoria da humanidade seria impossível sem limites rígidos para a reprodução.

Tendo vivido entre 1766 a 1834, o “pai da demografia, clérigo anglicano, economista e matemático, teorizou ainda “desconhecer que algum escritor aventasse a possibilidade de o homem da terra puder viver sem comida."

Vagueando pelo WhatsApp, deparei-me com um scheenshot de uma página do livro História Económica de Angola, relatando o “quadro geral de exportações de Angola entre 1946 e 1947”, em volume e valor. Em 1946, a população de Angola era de aproximadamente 2 milhões (Dilolwa, 1978), produzindo-se naquele ano 115 mil toneladas de milho.

Angola, com seus 1246700 Km2, conta perto de 33 milhões de habitantes, em 2022, uma densidade média de 26,46h/km2.

No Brasil, por exemplo, para além de servir ao consumo humano, o milho é um componente fundamental das rações destinadas à criação animal, distribuído da seguinte forma: 63,5 % na avicultura de corte; 59,5 % na avicultura de postura; 65,5 % na suinocultura; 23 % na pecuária de leite (em equilíbrio com a participação do farelo de trigo 23% e farelo de algodão 20%.

Segundo ainda a página www.agencia.cnptia.embrapa.br/gestor/milho (consultada a 22.10.22), no Brasil o milho responde a cerca de 70% do custo de produção de aves e suínos, ao passo que na alimentação humana, o consumo anual per capita é de 18 kg em média, um indicador que pode estar abaixo do consumo humano do milho em Angola onde o funji ou pirão, a kanjika, a massaroca e o lukangu imperam à mesa dos cidadãos nacionais de vários extratos sociais.

Como aumentar a felicidade das pessoas sem aumentar a produção ou como fazer com que haja equilíbrio entre terra, povoamento e produção alimentar?

www.poupainvest.com (22.06.22) diz que Angola precisa cultivar 500 mil hectares de milho para poder satisfazer as necessidades de consumo de milho e seus derivados, sendo que (em 2020) a produção nacional é/era apenas de cerca de 2 milhões de toneladas por ano, cerca de 40% da necessidade anual.

Terra humífera, água, vias de comunicação, energia eléctrica e telecomunicações são alguns itens a ter em conta.

Sendo que o sector de Energia diz “haver superavit em termos de produção de energia", havendo apenas “constrangimentos a ultrapassar na transportação e distribuição”, defendo:

1-  Redistribuição de terras ociosas detidas por gente estranha à agricultura ou que a não pratica àqueles que estão empenhadas na lavoura;

2-  Preservação de terras comunitárias e passagem de títulos para usufruto, afastando a sua usurpação por elementos estranhos às comunidades;

3-  Potenciação de cooperativas agrícolas e atribuição de personalidade jurídica para que possam socorrer-se de créditos e outros serviços bancários;

4-  Aplicação da ciência na agricultura: acompanhamento regular e qualitativo dos processos e ciclos agrícolas por técnicos especializados;

5-  Mecanização agrícola;

6-  Electrificação do campo, levando a energia eléctrica às fontes de água e permitir o bombeamento desta. Neste quesito, a Fazenda PIP, em Cacuso, é bom exemplo, tendo baixado consideravelmente os seus custos ao substituir o bombeamento de água por via de energia termo-eléctrica pela da rede pública;

7-  Construção de vias de comunicação (estradas) nas áreas de produção para facilitar a circulação (abastecimento e escoamento);

8-  Implantação de telecomunicações nas zonas de produção para permitir a mobilidade e permanência de capital humano qualificado nas zonas rurais e fomentar o repovoamento do campo;

9-  Levar a indústria de conservação e transformação ao campo (a exemplo da Rússia do final do séc. XIX e princípios do séc. XX) e acrescentar valor agregado às commodities;

10-             Apostar numa agropecuária e indústria transformadora apostada na qualidade, de acordo às normas internacionais, competindo em igualdade de circunstâncias com os produtos agroindustriais da região e do mundo.

Seguindo a lógica do crescimento demográfico, se em 1946, em que éramos 2 milhões de habitantes, a produção ascendia a 115 mil toneladas de milho/ano, aos 33 milhões de habitantes devíamos estar próximos de 4 milhões de ton/ano para gerar "equilíbrio" entre o saldo populacional e o suprimento de necessidades alimentares. E estamos a falar apenas de milho, sem ter em conta outros bens da cesta básica.

Por último, é importante manter a agricultura como base e a indústria como factor decisivo do nosso desenvolvimento.


Obs: publicado pelo Jornal de Economia & Finanças de 24.06.2022

domingo, 14 de agosto de 2022

"DESMONTANDO" INVERDADES QUE LEVAM PERTO DE 1/2 SÉCULO

Há mitos bons que, coincidem com a ciência, fazem a humanidade progredir. Enterrar capim e restos de troncos, por exemplo, cria matéria orgânica e alimenta a planta. Há, porém, outros mitos que devem ser substituídos pela razão, tal como os filósofos helénicos se opuseram aos mitos dos pensadores de Mileto (Tales, Anaximandro e Anaxímenes).

Quantas vezes você leu ou ouviu dizer que "em Angola faz-se agricultura em todo o lado", ou que "os nossos solos são muito férteis", quando não se apimenta que "todos eles têm bastante húmus"?
Do ponto de vista da sua constituição geológica, diz o entendido em Geologia Nelson Cabanga, os solos são consequência de erosões que as rochas sofrem, em que detritos, resultantes desta erosão, ao serem depositados numa vasta superfície, criam o tal solo, processo que resulta de milhões de anos.
Imaginemos que estes detritos resultem de rochas ácidas? Provavelmente haverá plantas que não se adaptem a estes solos ácidos, daí a necessidade de tal tratamento por meio de outros componentes. Já se forem rochas básicas, existirão plantas que se adaptam mais a este tipo de rochas, sem desprimor de não necessitarem de tratamento. Daí nasce exatamente o casamento entre o agrônomo e o geólogo.
Nelson Cabanga prossegue que caberá ao geólogo estudar a característica química do solo, se possível identificar o tipo de rochas que circundam estas zonas, e tentar compreender a forma como o este solo foi criado que, normalmente, leva milhões de anos, por meio dos processos mecânicos de erosão.

Numa conferência recente, em Benguela, em que se discutia a pertinência do uso de rochas fosfatadas para a correcção de solos agrícolas,  o Professor e ambientalista João Serôdio disse, em som audível, que "os solos angolanos não são nada ricos", conforme sempre se apregoou, "com excepção de algumas regiões de Malanje que têm solos férteis e profundos".

O académico "desmontou" mais uma tara que nos fazia "gigantes de barro", fazendo-nos acreditar (quase toda a minha geração nascida no campo) que "de Cabinda ao Cunene, os nossos solos não precisavam de correcção, nem de adubação".

João Serôdio disse mais: é preciso corrigir os solos, através da rochagem, tendo em conta a necessidade de sua melhoria e manutenção das características, mas é preciso também "estudar os solos receptores e a rocha a adicionar que devem ser compatíveis, para não criar mais estragos do que solução".

Acrescentou que, "apesar da rochagem, a adubação deve estar sempre presente para que se obtenham elevados índices de produtividade".

Agora que tomei conhecimento, vou procurar calcário dolomítico para corrigir o solo da minha "kibela" e continuar a fazer NPK orgânico para alimentar as plantas do pomar doméstico. O fosfato é também chamado como alimento para as plantas que precisam de matéria orgânica que deve ser "sempre reposta".
É preciso levar a verdade aos que trabalham a terra para que, conhecendo os pontos fracos, se potenciem, corrijam os solos, tenham melhores colheitas e se afugente a pobreza nas comunidades rurais.

Para quem aposta no milho, por exemplo, para além de ter de encontrar ou transformar a terra em solo humífero ou humificado, deve também olhar e apostar em: cuidado e protecção da sementeira antes da germinação; semear em época certa e sob condições climáticas apropriadas; atenção com o manuseamento dos instrumentos de trabalho (sacha, adubação, rega, etc.); irrigação de qualidade (quando não é por sequeiro); controle de pragas, entre outras técnicas (adaptado de AZEVEDO; SILVA, 1999).

BG, 02.06.2022
Texto publicado pelo Jornal de Economia & Finanças a 10.06.2022

quinta-feira, 7 de julho de 2022

MAHINI E MILHEIRAIS À BAIRA DA EN 100

A confiar no que meus olhos enxergaram e levaram à tradução e compreensão cerebral, durante o trajecto Longa-Evale Guerra (a entrar para a Kanjala), não haverá este ano njala (fome) no Litoral kwanza-sulino (desde que a preguiça deixe de existir) e, havendo água celestial, tudo indica que assim será nos próximos tempos.

Prestei atento ao que ladeia a estrada, do Longa (entrada do Kwanza-Sul) à divisão com Benguela (próximo de Kanjala).
Imensos campos de milheirais plantados em muitos (para não dizer quase todos) corredouros de águas pluviais, vales dos rios que se dirigem ao Atlântico, depressões (onde é mais a enxada e a catana que desbravam) e zonas planas onde foi chamada a força e elasticidade do tractor agrícola. É sinal de que, aos poucos, vamos despertando para aproveitar o solo, atender o estômago e, com o que resta, saciar as demais necessidades descritas por Maslow na sua conhecida pirâmide.
Vi milheiros todos "embandeirados", com espigas quase maduras e à espera apenas da colheita. Devem ter sido lançado à terra entre Fevereiro e Março, sendo da segunda sementeira da época de sequeiro. Mas, outros milheirais eram pequenos ainda, aparentando ter um ou dois meses. Infelizmente,   correm o risco de secar pelo facto de a chuva ter cedido lugar à época de estiagem. Tal fez-me parar e trocar um dedo de conversa com o mais velho Kikundu.
- Papá, bom dia. Estou de passagem. Vou a Benguela. Parei para aprender consigo. Estou a ver milho grande e milho ainda pequeno, numa altura em que a chuva já terminou. Não vai secar sem dar massarocas? - Indaguei.
- É verdade, meu filho. Ainda você mesmo é daondiê? - Questionou-me, eventualmente, para ganhar fôlego e arrumar a resposta.
- Sou do Libolo, pai, e vou trabalhar em Benguela.
- Pois é, filho. Quando nós falámos, os vossos iguais não nos ouvem. O milho, se você quer semear duas vezes, tens que controlar a primeira chuva e ter dois kibembe (terrenos em pousio e prontos a receber gramíneas). Põe o primeiro em Setembro ou o mais tardar em Outubro. Como o milho de boa semente faz 4 meses, quando estiver a amadurecer, semeia o outro no kibembe de reserva. Assim, a pessoa colhe duas vezes por ano no terreno alto. Se é na horta e com rega é só a tua força que manda.
Abanei a cabeça em gesto de agradecimento e tomei as imperdíveis notas mentais.
O mais velho Kikundu não sabe escrever, nunca esteve em escola de agronomia, mas tem conhecimentos sólidos. Disse ter trabalhado com vários "extensionistas" e regentes agrários. 
- Uns eram da Cadá, outros do Chianga e ainda os que se formaram no Chivinguiro. Hoje em dia, não é só pôr adubo e amónio. É também controlar a chuva e rodar as sementes. - Continuou explicando.
Já me ia a despedir, quando me pediu água e eventuais garrafas vazias (pet) para pôr mahini que, por essas bandas, chamam de "massana" ou "mele a ngombe".
A pecuária de bovinos, caprinos e ovinos é antiga entre os kwanza-sulinos. As estiagens cíclicas e prolongadas mais a sul do nosso país estão a provocar a migração de bovinos e pastores, aumentando as manadas, os rebanhos e a quantidade e qualidade dos zeladores. Mesmo nos meus tempos de garoto, os bois que eu via na Fazenda Costa Campos eram cuidados por tios ngangela ou nyaneka que andavam com porrinho e catana muito afiada, dizendo que o porrinho era para "enducar" o boi maluco ou matar a onça gatuna.
O aumento significativo do efectivo bovino nas margens da EN n° 100 leva à exposição, em venda, do leite natural de vaca, o mahini para os povos do sul.
Por outro lado, a existência de mahini, de tarimba em tarimba, é indicativo de vacas que se reproduzem, cujo leite é repartido entre o vitelo e o homem ordenhador que o coloca à venda. Havendo vitelos, facilmente se adivinha carne nos dias que vêm. É este o ciclo: vacas gordas, mahini, vitelos robustos e saudáveis, bife no prato, cidade saciada... Luanda é o grande mercado de quase tudo e onde se diz que "algumas geladarias que produziam sorvetes com lei em pó passaram agora a comprar leite natural que "está a levar os clientes a lamber os dedos", de tão gostosos que são os gelados confeccionados com leite natural de vaca.
Mas os pastores saídos do Sul não introduzem apenas o mahini na ementa dos Kwanza-sulinos e luandenses. Ao lado do milho, vi também massango. O cereal tem um ciclo maior e é mais resistente à falta de chuva, como me confirmou o mais velho Kikundu:
- Se com a chegada do cacimbo em Maio o milheiro seca em finais de Junho ou Julho, o massango pode esperar pela chegada da outra estação chuvosa. É mais resistente.
Os mais atentos vão tendo já o massango como cultura alternativa, sobretudo para acompanhar "uns nacos de carne fresca, agora que o período de caça se aproxima".
- Ó filho, numa província que tem rios, tem mar, tem terras e tem animais (bois cabritos, carneiros, porcos e galinhas), morrer de fome, no tempo de paz, só pode ser burrice ou preguiça! - São palavras do velho Kikundu.
Texto publicado pelo Jornal de Economia & Finanças de 03.06.22

quarta-feira, 1 de junho de 2022

A "SACHA"

Acordei ao pregão de um mendigo que, de casa em casa, pede, manhã cedo, as "sobras da janta".

- Não leva ao lixo a comida que sobrou. Dá no pobre. - Cantarola, desafiando os passarinhos alojados nas copas das minhas árvores.
De imediato, veio-me à cabeça a experiência do milho trazido do Kwanza-Sul e que empresta a sua cor ao descampado. Hoje não me dei ao trabalho mínimo de conferir se é mesmo "sacha" a limpeza de ervas daninhas que crescem entre o milheiral.
Cresci, com o milho, a vê-lo e a "sachar". Desde pequeno no Limbe.
- Filho pequeno não trabalha porque não come muito. - Dizia eu a reclamar do sol, suor e ardor.
Durante algum tempo, fora apelidado de "Filho Pequeno".
Dizem também que "é mais fácil retirar alguém do campo do que o campo dele". Essa máxima deve combinar comigo.
Em Fevereiro, fomos ao Ebo e pedi à Dina Martins uma espiga de milho.
- Mano, podes tirar quantas quiseres.
Abaixei e retirei uma espiga pequena e desdentada, ou seja, a que tinha várias falhas de grãos.
- Essa, mano?! Porquê? Tira, ao menos, uma grande e boa. - Insistiu a Dina.
- Irmã, é só para brincar e recordar os tempos de camponês. Não tenho lavra. Vou pôr no quintal ou no canteiro e depois os meninos vão arrancar. Não adianta levar o que sei que não terá serventia. - Expliquei, deixando-a mais cômoda.
A espiga andou esquecida no carro, até que, um dia, ao retirar umas tralhas que me "feriam os olhos" dei conta dela. Calhou que tinha "pinguiscado" umas gotículas de chuva. Descarocei e levei os grãos, dois a dois, ao solo firme do canteiro e do descampado que se acha contíguo à minha casa.
Os cabritos e os meninos desgovernados que pululam o bairro destruíram a maioria. Deixei que os sobreviventes ficassem camuflados no capim que cresce apressado com a vinda da chuva.
- É chegado agora o tempo da sacha. - Falei para mim mesmo.
Não tendo enxada, a pá fez a vez, removendo o capim e envolvendo os milheiros de mais terra.
Tal como dissera à Dina, de uma espiga "desdentada" podemos ter cinco ou muito mais. Isso é crescimento.
Já imaginou quem tem um descampado à volta de casa fazer igual? Pouparia uns Kwanzas, cumpriria o papel decorativo verde e atenderia o ambiente e o estômago.
São conversas "milhonárias" que podem render.

Obs: publicado pelo Jornal de Economia & Finanças, 06.05.2022

segunda-feira, 2 de maio de 2022

EM BUSCA DE FRUTA-PÃO

É mais conhecida por fruta-pão, porém, tem como nome científico artocarpus altilis e temo-la, em Angola, em províncias como Cabinda, Zaire e Uige. Também pude encontrá-la em Luanda (Coreia).
Provei a fruta em 1998, em São Tomé, fervida e servida com concon. Uma delícia!

De lá para cá, procurei pela planta (rara) até a encontrar, o que se constituíra em alívio. Desconhecia, porém, que a árvore é "como bananeira", como diz meu kota e colega André Buta Neto: a fruta não contém sementes e cortado um galho não enraíza por estaca. Uma reprodução rara e complicada. Só a planta filha (com enraizamento) é que pode ser arrancada e estaquiada.


Como conseguir uma planta nova era o desafio. Tentámos na deslocação ao Uige, em 2021. Das raízes, que o amigo Jaime Reais conseguiu e enterradas em solo húmido, não brotou rebento. Fomos a Cabinda, ainda em 2021, e pedimos apoio ao amigo Henrique Bitebe que nos levou à escola/internato das madres. Não havia planta nova e extraímos raízes que também, enterradas em solo humedecido, não resultaram em rebentos. Em Janeiro de 2022, fomos a Buco Zau e, novamente, o amigo Bitebe que conseguiu dois rebentos. A viagem de um dia, em carrinha aberta, sem que as plantinhas fossem cobertas de terra húmida, e outra de avião, perfazendo 48 horas, estressaram em demasia as folhagens que secaram, seguindo-se as duas estacas.

Perseverante em conseguir ter uma desta rara planta, comprei, em Luanda, mais um exemplar, após longos meses de negociação.

Para a minha "desilusão", quando esperava encontrar o exemplar separado da raiz e em um vaso, para tal dei bastantes dias desde que me foi comunicado o resgate da preciosa, o vendedor entendeu separá-la da raiz exactamente ontem, dia em que escrevi "senhor Ínio, passo hoje, sem falta".
- Sr. Luciano, separei-a apenas hoje. - Atirou, à minha chegada, procurando indirectamente dizer que "se viver é sorte tua e se morrer é desgraça tua".
- Está bem. Vou enterrá-la, ainda hoje. - Respondi-lhe, mesmo sabendo que da Coreia (Luanda) ao Zango levaria no mínimo duas horas e meia. O relógio apontava já 18h37.
Foquei-me em contornar os engarrafamentos e evitar os condutores ofensivos para que não me "arranjassem problemas". Era preciso diminuir o tempo de estresse da novel planta "desmamada" da raiz alimentadora.
À hora projectada cheguei ao Zango, destino da artocarpus altilis. Já tinha mandado escavar um sulco no lugar onde havia uma jabuticabeira sacrificada pelas galinhas-do-mato, outro meu encanto.
Havia me esquecido que quando dei conta da morte da jabuticabeira, tinha enterrado uma porção de raiz de artocarpus altilis que trouxera de Cabinda. O rapaz que fez o sulco nem sequer deu conta que aquele segmento de raiz, 40 cm aproximadamente, não era uma raiz qualquer. Extraiu-a com a pá e ficou debaixo da terra removida do sulco.
Foi já depois de termos enterrado a planta de fruta-pão que "tropecei" os olhos no segmento de raiz e vi que tinha pequenos rebentos à volta. Levei a memória ao passado e lembrei-me que havia enterrado naquele mesmo espaço um pequeno segmento de raiz de artocarpus altilis depois que confirmei a morte da jabuticabeira.
- Epá, essa também é "fruta-pão"! - Exclamei contente e aliviado do facto de me terem dado um exemplar extraído da raiz alimentadora naquele mesmo dia.
Desfizemos o cerco que havíamos colocado à volta da nova planta e reenterramos a raiz que apresenta rebentos.
Pelo menos, está alteada a esperança: das duas, uma haverá!

Obs: texto publicado pelo Jornal de Economia & Finanças de 13.05.2022

sexta-feira, 1 de abril de 2022

CAFÉ LUANDENSE

O pouco que meus avós paterno e materno conseguiam provinha do café. Era, naquele período do "Estado Novo", a forma de se manter activo, enquanto contribuinte fiscal, buscando alguma "liberdade", para não ir à renda e ou ao "contrato".


De quatro plantas que meu amigo Mario Botelho De Vasconcelos me ofereceu, duas estão vivas, levando-me, todos os dias, a Kitumbulu e Kabutu.

Uma gajajeira procedente de Kambaw pode ser um novo inquilino no pomar doméstico.

terça-feira, 1 de março de 2022

CONVERSAS QUE PODEM RENDER MILHÕES

"Mais vale desintegrar um átomo do que o preconceito" (Einstein).
Os povos rurais do Kwanza-Sul, nomeadamente os do Ebo, desde sempre que "encabeçaram" que a mandioqueira, a batateira e a cana plantam-se na vertical, o que resulta em apenas um broto, fraco enraizamento e, concomitantemente, baixa produção.
No Ebo, julga-se que o cultivo de feijão e milho, por exemplo, "são coisas de mulheres". Os homens, contam eles, devem dedicar-se à cebola, tomate e, quando possível, à recolha de abacates e mangas.
Confirmei que a batateira, a jingubeira, o milheiro, o feijoeiro e a mandioqueira crescem, regra geral, sobre a mesma estaca U(consorciação de culturas e sem rotação), o que os leva a uma grande disputa por espaço e nutrientes, resultando em fraca colheita.
A prática é antiga e não se muda desde os tempos avoengos, inexistindo técnicos de extensão agrária que corrijam os modelos menos produtivos para propiciar mais renda às famílias votadas totalmente ao cultivo da terra.
Ao mesmo tempo que não mudam o procedimento, para esperar por resultados diferentes, vão lamentando a escassez e a fome e "invejando" a fartura do branco colono que já se foi, há quarenta e sete anos, e dos poucos fazendeiros avisados na arte do cultivo da terra.
Na manhã de 12.02, após anotar mentalmente o modo de produção dos eboenses, chamei um jovem para uma curta conversa sobre as melhores práticas agrícolas. Falei-lhe sobre a necessidade de separação das culturas, plantio denso e rotativo.
Falei-lhe das três formas de vencer a fome a curto, médio e longo prazo, conforme um adágio que li: cultivar "cereais, árvores frutíferas e conhecimentos".
Mostrei-lhe como seria possível "andar a rir à toa" daqui a cinco anos, apostando na agricultura, sobretudo no plantio de frutícolas.
Com uma pedra a fazer de caneta sobre o másculo solo torrado pela chuva (ainda) ausente, desenhei:
Imagina-te que tens dois hectares. Em um semeias somente feijão, sendo que a colheita pode se de 3 toneladas (3 mil quilos). Imagina que o teu lucro médio seja de Kz 400/Kg. Multiplica Kz 400 x 3000 Kg =1200000.
- Um milhão e duzentos?! - Exclamou Tony, admirado.
- Sim. Isso mesmo. Pensa bem e age. - Recomendei.
No segundo hectare, continuei a prelecção, planta, com espaçamento de 4 a 5 metros, abacateiros, o que te daria 20 linhas com cada 20 árvores, totalizando 400 abacateiros.
Perguntei a ele quantas caixas colhia em cada árvore e qual era o preço da caixa de abacate, hoje.
As respostas foram: média de 8 caixas por árvores, ao preço de Kz 1300.
Pegamos a calculadora e fizemos, de novo, as contas: 400 árvores vezes 8 caixas, vezes kz 1300 = Kz 4160000 (quatro milhões, cento e sessenta mil).
- Tudo isso, tio?
- Tudo isso, sim. É possível se agires como empreendedor.
Quanto à mandioqueira e batateira, passa a fazer campos separados e a plantar na horizontal para maior enraizamento e produtividade. Sabes que quanto mais raízes houver, mais mandioca haverá. - Expliquei.
O jovem, radiante, esfregou as mãos e prometeu agir.
Numa visita que fizemos, à tarde, a um idoso (tio Sabalu Lumbu) que nos recebeu alegre e em família, no meio da conversa, depois dos habituais "mahezu", passei os mesmos conhecimentos, explicando quantas raízes teria numa estaca horizontal de mandioqueira ou batateira, ao que ele mesmo foi conferindo.
Falei-lhe das vantagens das árvores de frutas e, de novo, fizemos as contas com números ditados por ele. Perguntei -lhe sobre a ausência de peras e maçãs do Ebo, muito estimadas por pessoas de idade que por lá passaram, e o mais velho "espetou-me" (com o devido distanciamento covidiano) um valente abraço.
- Sobrinho, obrigado! Vou experimentar. É saber até morrer! Se os brancos tinham saído de suas terras para fazer agricultura aqui tinham grande produção é porque dá lucro. Mal deles, e dos fazendeiros também, é que não ensinam o povo como acontece na Cela. - Rematou o tio Sabalu, visivelmente alegre, oferecendo-me, depois, uma cabra que ficou na vila cede do Ebo para reprodução.
De regresso a Luanda, fiz paragem, obrigatória, na aldeia de Pedra Escrita (Libolo) onde deixei marcas da minha meninice. Na conversa com o mano Gonça, veio de novo o tópico do plantio. A introdução aconteceu quando ele me convidou a ir com ele à horta para apanhar cana. Perguntei-o (estavam outros nossos parentes à volta) como é que plantavam a cana, a batateira e a mandioqueira. O meu espanto foi receber explicações convincentes deles que julgavam-me desactualizado, ante a minha luandização desde 1984.
- Se você quer deixar Luanda para vir fazer fazenda é melhor aprender já. Agora a "semente" põe-se deitada". - Disse, num misto de brincadeira e seriedade, Victória Sabino, uma prima e ex-colega da "kabunga".
Peguei um palito e, ante ao momento de convívio e atenção que me brindavam, fui perguntando:
- Mas, é deitado assim (oblíqua) ou na horizontal?
O mais velho Kapitia Silva que estava de pé, tomou a palavra, como que explicando a um infante. Fez comigo conforme procedi com o Tony, no Ebo. Pegou ele o palito e foi explicando:
- Mano Kajila, vê bem. Essa (referia-se ao palito) é a mandioqueira. Se lhe mete de pé, como fazíamos, só nasce um filho. Onde nasce o filho é que aparecem as raízes. Está perceber, nê? Agora se o mano põe deitado, em todos os botões (nódulos) nasce filho e nasce raiz. Se cada raiz é uma mandioca, então o mano já sabe qualê o método que dá mais mandiocas. É ou não é, mano?
Todos os olhos estavam virados para mim (no pensar deles, o luandizado que não entende de novos métodos de plantio).
- Agradeci e, com o mano Gonça, fomos à horta. Mostrou-me o milheiro que não disputa terreno com nenhuma outra cultura e foi explicando:
- Mano, aqui temos o milho. É somente milho. Ali temos a mandioqueira que também está sozinha. Ali em baixo são as canas. Já desactivamos as mandioqueiras para as canas crescerem sozinhas. Lembras-te dessa mangueira?
- Não, mano. - Respondi.
- É aquela que me deste com a cajá-manga. Já está a dar frutas há 4 anos. A parceira dele é que secou.

Beto Spina colheu canas, enquanto o tio António apreciava e elogiava as explicações do mano Gonça que estava muito avançado em relação aos povos do Ebo.

Obs: publicado pelo Jornal de Economia & Finanças de 15.04.2022